terça-feira, 27 de janeiro de 2015

O inhame.

Para dar uma ideia do potencial simbólico e ontológico da comida, destaco aqui as constatações de Malinowski em “Coral Gardens” (1935) por enfatizar exatamente a relação que os melanésios desenvolvem com a natureza (vegetal) a partir da horticultura, colocada - para além de seus atributos objetivos ligados a alimentação - como elemento central de sua cosmologia e socialidade. Não são os trobriandeses os donos da terra. A terra é que é a dona dos trobriandeses. Essa percepção é central na cosmologia melanesia. Veja que interessante, nas roças trobriandesas ocorrem passeios para a sua apreciação (1935:80). Ocorre uma elaboração estética e prestigiosa das hortas, assim como hortas “de referência” que operam na socialização dos mais novos nessa prática.
Malinowski nos apresenta que há uma hierarquia dos vegetais em que o inhame tem uma preeminência prática e cosmológica. Isso aparece no modo como os nativos descrevem o desenvolvimento do taro* (1935: 140-141). A produção das raízes, a maneira como elas se ramificam e como elas se reproduzem ( e como ocorre, no pensamento nativo, a relação desse desenvolvimento da parte aérea com a parte subterrânea) está diretamente relacionado a preeminência do inhame e à teoria nativa da autoctonia. Como para eles a terra é que é a dona das pessoas, não se trata apenas da socialização do resultado da plantação, mas a terra é socializada, ela faz parte desse corpo social, desse modo de socialidade. 
A questão da alteridade consubstanciada na vida agrícola dos trobriandeses é operada pela terra e pela comensalidade (1935:47) . Na questão de troca e parentesco geral da Melanésia, a comida exerce uma consubstancialidade que cria parentesco real entre eles. Quando se troca o inhame entra uma questão de doação de corpo, se está dando um pouco da sua substância (e também da terra) para o outro. Entretanto, a troca nunca é equivalente, sempre vai ter um a mais que é uma alteridade que estará sempre pressuposta nessa relação. 

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