“A regra de ouro é
cozinhar!”
Conhecer e Comer:
caminhos para redescobrir a comida de verdade.
Seminário organizado pelo Instituto
de Nutrição/UFRJ e HCTE/Ufrj. Março de 2015.
Ocasião do lançamento do Guia Alimentar
para a População Brasileira (2014).
Tive a oportunidade de assistir duas
conferências.
A primeira conferência foi de
Carlos Augusto Monteiro (Nupens/USP) um dos coordenadores do projeto de
elaboração do Guia Alimentar para a População Brasileira 2014. Ele fez um
relato do processo, citando o método das pesquisas envolvidas e apresentando os
elementos fundadores desse novo guia.
“O que é alimentação?” É receber os nutrientes necessários ao
processo evolutivo? Sabe-se que o homem por ser omnívoro desenvolveu sua
humanidade muito em decorrência de suas práticas alimentares que ofereciam o
gradiente nutricional exato para sua evolução enquanto espécie. A relação humana
com o alimento é única no reino animal e o palestrante destaca que “somos os
únicos que preparamos nossos alimentos e por isso somos humanos”. Ele destaca a
centralidade do sistema alimentar das sociedades e como que aquilo está
integrado com a alimentação e com a nutrição daquelas pessoas. Destaca os
padrões alimentares locais e as formas de comer como centrais para encontrar a “comida
de verdade”.
“O que é saúde?” para uma
perspectiva mais tradicional, saúde é ausência de doenças. Atualmente é possível
pensar a saúde além da negação da doença, mas bem estar físico e psicológico.
Quais os obstáculos atuais para
se ter mais saúde e bem estar? Um deles
está relacionado ao poder desagregador do consumo de comida ultra processada,
muito comum nas grandes cidades brasileiras e do mundo todo. O professor
destaca que vivemos no mundo todo, modernizado e globalizado, o fenômeno do
aumento do consumo desse tipo de comida... Para ele o projeto da indústria dos
ultraprocessados está se cumprindo, quando se percebe que muito menos pessoas
cozinham sua própria comida em decorrência da falta de tempo e do marketing em
torno dos “fast food” das comidas rápidas, pré-prontas e instantâneas...
Chama a atenção para a
centralidade da comida e o que é mobilizado a partir do simples e
imprescindível ato de comer. O consumo de
ultraprocessados está diretamente relacionado com a ocorrência de doenças
crônicas, pois o organismo humano não está preparado para receber carga alta de
nutrientes sintéticos e baixa carga de fibras, gerando diversas doenças. Do ponto
de vista do ambiente, o consumo desse alimento incentiva a grande produção e a indústria
de alimentos, além de incentivar o agronegócio e a privatização das sementes
etc. Do ponto de vista social e cultural, o consumo de alimentos
utraprocessados está associado a vida urbana, individualizada e “corrida” e de
alguma maneira causa uma ruptura no sistema alimentar das sociedades. De um
modo geral, o consumo de ultraprocessados está associado a um padrão de
comensalidade desconectado da produção e do seu compartilhamento. Em relação a essa discussão ele sugeriu o
livro de Jacobs sobre “matriz alimentar”.
Na perspectiva mais atual do que
é saúde, acionada na concepção do Guia de 2014, o consumo alto de ultraprocessados é um
obstáculo forte ao que se entende por bem estar físico e mental. A regra de
ouro do guia segundo Carlos Augusto Monteiro é “cozinhar”.
O ato de cozinhar a própria
comida é operador dos princípios para uma alimentação que gere saúde. 1. Comer comida
fresca, feita na hora. 2. Variar bastante dentro do padrão alimentar inserido.
3. Aquisição de ingredientes frescos e não conservados, priorizando os pequenos
produtores que não usem agrotóxicos. 4. Comer com atenção, saber o que está
escolhendo, de preferência escolher na companhia de outra pessoa,
compartilhando o preparo e o consumo.
A falta de habilidade culinária
foi um ponto que surgiu na discussão sobre os obstáculos que temos para comer
uma comida de verdade. Outro obstáculo é
a oferta e o preço, além do falta de tempo e principalmente a ofensiva da
publicidade e do marketing acerca da alimentação processada.
Para finalizar o resumo da
conferência, ele afirmou que o guia é um bom exemplo de uma bem sucedida
parceria entre a academia e o executivo para implementação de políticas
públicas para a saúde ligadas ao Ministério da Saúde.
O guia já está disponível aqui
nesse link.
A segunda conferência foi de
Maria Emília Pacheco, atual presidente do CONSEA – Conselho Nacional de
Educação Alimentar.
Ela focou nas ameaças para uma
alimentação saudável.
Destacou que há um consenso de
que a o alimento saudável é proveniente da agricultura familiar. No Brasil os
pequenos produtores são os principais responsáveis pela produção de hortaliças e
legumes frescos “in natura”. Nesse sentido, a publicidade e o lobby a favor da indústria
de alimentos ultraprocessados são os maiores
obstáculos para uma alimentação saudável no Brasil.
Maria Emília citou um livro que é
referência para uma educação alimentar e nutricional cujo título é
“Alimentos regionais brasileiros”
ainda não tive oportunidade de navegar pelo livro e achei disponível neste link
O dia 25 de março é uma data
marcante para a segurança e a soberania alimentar da sociedade brasileira,
segundo a palestrante.
Fazem 10 anos que os “transgênicos”
foram liberados no Brasil.
Hoje, 25 de março de 2015 está em
debate na Câmara Federal a revogação do decreto de 2003 que regula o direito do
consumidos a sua informação identificada no rótulo com um símbolo T.
No Senado Federal hoje está sendo
debatido sobre o Projeto de Lei de acesso aos recursos genéticos, um projeto
que casa bem com a revogação do direito de propriedade dos quilombolas em suas terras,
lei de 2004 sancionada pelo Lula. ( confirmar essa informação, ela falou
vagamente) Esse projeto de lei é um projeto criado pelo lobby da indústria sementeira,
farmacêutica, dos cosméticos etc e que pretende conceder ao congresso nacional a
prerrogativa que até então é do poder executivo do Ministério da Agricultura.
Todo esse lobby é uma ameaça aos direitos dos povos e de suas práticas
alimentares, fundamentais para a saúde humana, do ponto de vista da segurança
alimentar.
Associado a isso temos a
publicidade atuando em conformidade com esse lobby, promovendo uma valorização
dos nutrientes em detrimento do valor nutritivo natural do alimento fresco ou mesmo
dos que são levemente processados como o queijo e o pão.
A normatização da produção de
alimentos frescos e levemente processados cria uma série de impedimentos a
produção de escala familiar e favorece a grande indústria alimentícia, ao
agronegócio, pois o critério de qualidade adotado pela vigilância é parte do
mesmo lobby e ameaça os modos de produção tradicional da comida que são tão
caros a uma alimentação que gere saúde e nesse sentido, pode –se dizer que caminha-se
para uma situação de risco alimentar... ( conferir resolução 49 da Anvisa e a
PEC 215/2013 citados pela palestrante).
Respostas possíveis:
Campanha do CONSEA
“Comida é patrimônio”
Achei aqui nesse link
Capilarizar ações voltadas para a
promoção da comida de verdade, tais como a criação de equipamentos públicos de
alimentação, feiras de produtores, eventos e iniciativas de difusão das
habilidades culinárias, políticas voltadas para o controle dos territórios e
enfrentamento da ofensiva privatizacionista das sementes... eu pensei em
projetos de cozinhas comunitárias...
A palestrante destaca que não tem
como não politizar a questão da alimentação. A ofensiva é grande e trata-se de um
fenômeno da atualidade que precisa ser enfrentado diuturnamente.
Tanto Carlos Augusto Monteiro,
como Maria Emília Pacheco, ambos os conferencistas falaram uma coisa que foi como um chamamento à cozinha...
O projeto das corporações ligadas
às indústrias de alimentos está se cumprido quando nos deparamos com pesquisas
que mostram que cada vez menos pessoas possuem alguma habilidade culinária, os
jovens estão cada vez mais inseguros na cozinha e há até uma certa glamourização
pela publicidade da inabilidade culinária...
Além do mais, destacaram que a
alimentação solitária dos fast food ou dos alimentos prontos e instantâneos
rompem com um padrão de comensalidade que está na base de uma alimentação
saudável que é o compartilhamento do preparo e do consumo da comida, o hábito
de comer junto é fator de bem estar. Do mesmo jeito que alto consumo de
alimentos processados cria um padrão de palatabilidade que estranha o paladar
da alimentação natural, um dado que surgiu nas pesquisas apresentadas no
primeiro painel do seminário foi o de que cada vez mais cedo se inicia a
ingestão de alimentos ultraprocessados, hiper saborosos e macios... o índice é
altíssimo com crianças com menos de dois anos de idade e ainda, o índice
alarmante com crianças com menos de 16
semanas! Quando citaram isso lembrei dos danoninhos, geleias de mocotó
imbasa, sustagem, mucilon, farinha láctea etc... e aí constatamos que a cultura dos
ultraprocessados está aí entre nós há
muitos anos.
Em suma, os dois enfatizaram que uma
alimentação saudável precisa levar em conta o acesso aos alimentos frescos,
livres de aditivos ou inseticidas; o incentivo à produção dos mesmos em escala
familiar, bem como a valorização dos modos tradicionais de comer e preparar a
comida.
Outros links relacionados