Fabiana, uma das filhas de Dona
Sebastiana, chegou à fazenda de motocicleta por volta de 7 horas da manhã.
Assim que chegou, trocou de roupa, pegou uma rosca de polvilho e sentou num dos
bancos da varanda da frente da casa e começou a descascar as mandiocas junto
com seu pai, enquanto Dona Sebastiana arrumava a louça do café da manhã e
pendurava algumas roupas no varal. Ajudei Dona Sebastiana e depois fui
descascar mandioca junto com eles. Quando Dona Sebastiana terminou o serviço da
casa substituiu Seu Jair que foi construir o local onde a massa da mandioca
seria “lavada” e providenciar alguns galões para armazená-la. Passamos toda a
manhã e parte da tarde “cascando” as mandiocas que o Seu José Acário trouxe.
Por volta de quatro horas da tarde
encerramos essa etapa lavando todas as mandiocas descascadas e deixando-as na
água, numa grande caixa d’água e fomos lavar os tonéis que receberão a massa já
lavada. Foram 5 tonéis de 350 litros. Eu e Fabiana esfregamos com esponja e
sabão e enxaguamos tudo com muita água vinda de um córrego e que abastece a
casa. Aliás, é imprescindível abundância de água para fazer o polvilho. Foi um
trabalho muito pesado esse de hoje e “mexemos com água” mesmo depois que o frio
e a noite chegaram. Como eu e Fabiana somos as mais jovens, Dona Sebastiana nos
encarregou da segunda etapa do trabalho – além de ensaboar e enxaguar os tonéis
- transportamos, em quatro ou cinco viagens, cada uma de nós, as mandiocas no
carrinho de mão para o local onde ficaram armazenadas, próximas a máquina de
moer, distante uns 200 metros do local onde as descascamos. No início da noite, quando terminamos de
preparar as mandiocas para serem moídas amanhã de manhã, Fabiana foi preparar a
janta com sua mãe. Depois da janta, ajudei a lavar as vasilhas usadas no
preparo da comida e me aprontei para irmos à reunião, a primeira, da nova
diretoria da associação, da qual Seu Jair se tornou o presidente, marcada para esta
noite na capela do arraial. (Notas de campo. Perdizes, 18 de junho de
2008.)
No
dia seguinte, o trabalho no polvilho começou ainda mais cedo. Por volta de
6:30. Enquanto eu descascava o restante das mandiocas, Fabiana e Seu Jair foram
passar a mandioca na máquina de moer. Dona Sebastiana descascava parte das
mandiocas comigo, mas estava envolvida com os afazeres da casa, principalmente
com a roupa e a comida. Depois de tudo moído começamos a transportar a massa da
mandioca em latões no carrinho de mão até onde os tonéis estavam preparados e a
pequena estrutura - de quatro toras de bambu grossas fincadas no cimento do
pátio da casa - em forma de um grande coador, feito com um pano de fazer
lençol, “virgem”, lavado, seco ao sol
e passado a ferro - receber a massa. Depois do almoço começamos a “lavar a massa”.
Lavar
a massa: coloca-se uma quantidade de massa nesse pano e enquanto Fabiana jogava
várias bacias de água, Dona Sebastiana mexia a massa com as duas mãos, e um
líquido branco escorria para dentro de um tonel mais raso localizado debaixo
desse “coador”, de onde eu retirava o
líquido e colocava num dos tonéis de 350 litros. Depois da massa lavada, ela
era descartada. Colocávamos dentro de um carrinho de mão e quando ele estava
bem cheio, dispensava-a, segundo orientação de Dona Sebastiana, longe da casa,
próximo ao córrego, despejando todo esse resíduo na terra mesmo.
Hoje é o terceiro dia “mexendo com mandioca”.
Moemos o restante das mandiocas que haviam sido descascadas e continuamos com a
lavagem da massa. Enquanto isso, Seu Jair foi “arrancar” as mandiocas de sua terra,
pois até então só havíamos mexido com as trazidas por Seu José Acário. Eu e
Fabiana, num certo momento fomos ajudar Seu Jair retirando a braquiara que
havia atingido todo o mandiocal. Braquiara é uma vegetação que se não capinar o
mandiocal, ela cresce muito e se enrosca nos troncos, dificultando extração das
raízes. Segundo Fabiana, “braquiara é pasto que se alastra”. Enquanto Fabiana
tirava a braquiara com a enxada, Seu Jair extraía as mandiocas e eu as
transportava no carrinho de mão até a varanda “de trás” onde iríamos
descascá-las. Depois disso, Seu Jair começou a preparar o jirau com 12 metros
de comprimento por 2 metros de largura, onde a goma peneirada ficará exposta ao
sol durante 5 ou 6 dias. (notas de campo. Perdizes, 20 de
junho de 2008.)
No
quarto dia pela manhã começamos a entornar o líquido branco depositado nos
tonéis, onde a goma assentara no fundo. Retiramos a goma com prato de ágata
usado como espátula e a espalhamos sobre um pano estendido numa mesa ao sol.
Toda essa goma, já seca, é peneirada e transportada em grandes bacias para o
jirau. Esse polvilho ficou ao sol durante mais de dez dias.
O
procedimento da feitura do polvilho é basicamente esse, o que foi repetido
depois com as mandiocas da própria fazenda. Todas as tardes, nós tínhamos que
embrulhar o polvilho no lençol em que estava exposto e protegê-lo com plástico
para não pegar sereno. Todas as manhãs, quando o sol firmava, retornávamos ao
jirau e abríamos o lençol para que ficasse exposto ao sol forte, próprio dessa
época do ano na região. Todo esse polvilho seco foi mais uma vez peneirado e
armazenado para ser distribuído por três casas. A casa de Dona Sebastiana, a da
Fabiana e a do Seu José Acário.
A partir de então, iniciava a secagem do “polvilho
da casa”.
Depois
dessa temporada de trabalho mais intenso que foi a da feitura do polvilho, o
cotidiano da casa voltou ao normal e minhas tarefas também. Não precisava, por
exemplo, acordar no mesmo horário que o casal. Nos dias comuns, quando eu
acordava, Seu Jair já havia acendido a fornalha (fogão a lenha) e saído para a
roça ou para o arraial e Dona Sebastiana coava outro café. Logo, me juntava a
ela auxiliando no preparo de alguma merenda para o “leite da manhã”. Colocávamos biscoito de polvilho, pão de queijo
ou bolo de mandioca para assar. Costumava colaborar lavando as vasilhas
utilizadas. Tomávamos um café preto e enquanto o forno assava a merenda, nos
dirigíamos ao paiol para debulhar o milho a ser dado às galinhas. Depois da merenda,
varria o terreiro, enquanto Dona Sebastiana catava o feijão e iniciava o
preparo do almoço, para logo em seguida estender a roupa no varal, retirada
durante o sereno da noite, para terminar de secar. Logo, o sol já estava alto e
estávamos almoçando e arrumando a cozinha, preparando o café da tarde e em
seguida a janta, para então lavarmos tudo outra vez e, finalmente com a noite,
poder tomar banho e nos juntarmos ao Seu Jair que, depois da janta, assistia o
noticiário na televisão. Em seguida, estávamos os três, cada um em suas
poltronas, cochilando de tão cansados. A minha colaboração na feitura do
polvilho foi determinante para que o trabalho de campo se realizasse e também
uma experiência importante na minha relação com essa família. Foi a partir de
então que começaram a me ver como uma
filha emprestada.