quarta-feira, 25 de março de 2015

“A regra de ouro é cozinhar!”

A regra de ouro é cozinhar!”
Conhecer e Comer: caminhos para redescobrir a comida de verdade.
Seminário organizado pelo Instituto de Nutrição/UFRJ e HCTE/Ufrj. Março de 2015.
Ocasião do lançamento do Guia Alimentar para a População Brasileira (2014).
Tive a oportunidade de assistir duas conferências.
A primeira conferência foi de Carlos Augusto Monteiro (Nupens/USP) um dos coordenadores do projeto de elaboração do Guia Alimentar para a População Brasileira 2014. Ele fez um relato do processo, citando o método das pesquisas envolvidas e apresentando os elementos fundadores desse novo guia.
“O que é alimentação?”  É receber os nutrientes necessários ao processo evolutivo? Sabe-se que o homem por ser omnívoro desenvolveu sua humanidade muito em decorrência de suas práticas alimentares que ofereciam o gradiente nutricional exato para sua evolução enquanto espécie. A relação humana com o alimento é única no reino animal e o palestrante destaca que “somos os únicos que preparamos nossos alimentos e por isso somos humanos”. Ele destaca a centralidade do sistema alimentar das sociedades e como que aquilo está integrado com a alimentação e com a nutrição daquelas pessoas. Destaca os padrões alimentares locais e as formas de comer como centrais para encontrar a “comida de verdade”.
“O que é saúde?” para uma perspectiva mais tradicional, saúde é ausência de doenças. Atualmente é possível pensar a saúde além da negação da doença, mas bem estar físico e psicológico.
Quais os obstáculos atuais para se ter mais saúde e bem estar?  Um deles está relacionado ao poder desagregador do consumo de comida ultra processada, muito comum nas grandes cidades brasileiras e do mundo todo. O professor destaca que vivemos no mundo todo, modernizado e globalizado, o fenômeno do aumento do consumo desse tipo de comida... Para ele o projeto da indústria dos ultraprocessados está se cumprindo, quando se percebe que muito menos pessoas cozinham sua própria comida em decorrência da falta de tempo e do marketing em torno dos “fast food” das comidas rápidas, pré-prontas e instantâneas...
Chama a atenção para a centralidade da comida e o que é mobilizado a partir do simples e imprescindível ato de comer.  O consumo de ultraprocessados está diretamente relacionado com a ocorrência de doenças crônicas, pois o organismo humano não está preparado para receber carga alta de nutrientes sintéticos e baixa carga de fibras, gerando diversas doenças. Do ponto de vista do ambiente, o consumo desse alimento incentiva a grande produção e a indústria de alimentos, além de incentivar o agronegócio e a privatização das sementes etc. Do ponto de vista social e cultural, o consumo de alimentos utraprocessados está associado a vida urbana, individualizada e “corrida” e de alguma maneira causa uma ruptura no sistema alimentar das sociedades. De um modo geral, o consumo de ultraprocessados está associado a um padrão de comensalidade desconectado da produção e do seu compartilhamento.  Em relação a essa discussão ele sugeriu o livro de Jacobs sobre “matriz alimentar”.
Na perspectiva mais atual do que é saúde, acionada na concepção do Guia de 2014,  o consumo alto de ultraprocessados é um obstáculo forte ao que se entende por bem estar físico e mental. A regra de ouro do guia segundo Carlos Augusto Monteiro é “cozinhar”.
O ato de cozinhar a própria comida é operador dos princípios para uma alimentação que gere saúde. 1. Comer comida fresca, feita na hora. 2. Variar bastante dentro do padrão alimentar inserido. 3. Aquisição de ingredientes frescos e não conservados, priorizando os pequenos produtores que não usem agrotóxicos. 4. Comer com atenção, saber o que está escolhendo, de preferência escolher na companhia de outra pessoa, compartilhando o preparo e o consumo.

A falta de habilidade culinária foi um ponto que surgiu na discussão sobre os obstáculos que temos para comer uma comida de verdade.  Outro obstáculo é a oferta e o preço, além do falta de tempo e principalmente a ofensiva da publicidade e do marketing acerca da alimentação processada.

Para finalizar o resumo da conferência, ele afirmou que o guia é um bom exemplo de uma bem sucedida parceria entre a academia e o executivo para implementação de políticas públicas para a saúde ligadas ao Ministério da Saúde.
O guia já está disponível aqui nesse link.

A segunda conferência foi de Maria Emília Pacheco, atual presidente do CONSEA – Conselho Nacional de Educação Alimentar.
Ela focou nas ameaças para uma alimentação saudável.
Destacou que há um consenso de que a o alimento saudável é proveniente da agricultura familiar. No Brasil os pequenos produtores são os principais responsáveis pela produção de hortaliças e legumes frescos “in natura”. Nesse sentido, a publicidade e o lobby a favor da indústria de alimentos ultraprocessados  são os maiores obstáculos para uma alimentação saudável no Brasil.
Maria Emília citou um livro que é referência para uma educação alimentar e nutricional cujo título é
“Alimentos regionais brasileiros” ainda não tive oportunidade de navegar pelo livro e achei disponível neste link

O dia 25 de março é uma data marcante para a segurança e a soberania alimentar da sociedade brasileira, segundo a palestrante.
Fazem 10 anos que os “transgênicos” foram liberados no Brasil.
Hoje, 25 de março de 2015 está em debate na Câmara Federal a revogação do decreto de 2003 que regula o direito do consumidos a sua informação identificada no rótulo com um símbolo T.
No Senado Federal hoje está sendo debatido sobre o Projeto de Lei de acesso aos recursos genéticos, um projeto que casa bem com a revogação do direito de propriedade dos quilombolas em suas terras, lei de 2004 sancionada pelo Lula. ( confirmar essa informação, ela falou vagamente) Esse projeto de lei é um projeto criado pelo lobby da indústria sementeira, farmacêutica, dos cosméticos etc e que pretende conceder ao congresso nacional a prerrogativa que até então é do poder executivo do Ministério da Agricultura. Todo esse lobby é uma ameaça aos direitos dos povos e de suas práticas alimentares, fundamentais para a saúde humana, do ponto de vista da segurança alimentar.

Associado a isso temos a publicidade atuando em conformidade com esse lobby, promovendo uma valorização dos nutrientes em detrimento do valor nutritivo natural do alimento fresco ou mesmo dos que são levemente processados como o queijo e o pão.
A normatização da produção de alimentos frescos e levemente processados cria uma série de impedimentos a produção de escala familiar e favorece a grande indústria alimentícia, ao agronegócio, pois o critério de qualidade adotado pela vigilância é parte do mesmo lobby e ameaça os modos de produção tradicional da comida que são tão caros a uma alimentação que gere saúde e nesse sentido, pode –se dizer que caminha-se para uma situação de risco alimentar... ( conferir resolução 49 da Anvisa e a PEC 215/2013 citados pela palestrante).

Respostas possíveis:
Campanha do CONSEA
“Comida é patrimônio”
Achei aqui nesse link

Capilarizar ações voltadas para a promoção da comida de verdade, tais como a criação de equipamentos públicos de alimentação, feiras de produtores, eventos e iniciativas de difusão das habilidades culinárias, políticas voltadas para o controle dos territórios e enfrentamento da ofensiva privatizacionista das sementes... eu pensei em projetos de cozinhas comunitárias...
A palestrante destaca que não tem como não politizar a questão da alimentação. A ofensiva é grande e trata-se de um fenômeno da atualidade que precisa ser enfrentado diuturnamente.
Tanto Carlos Augusto Monteiro, como Maria Emília Pacheco, ambos os conferencistas falaram uma coisa que  foi como um chamamento à cozinha...
O projeto das corporações ligadas às indústrias de alimentos está se cumprido quando nos deparamos com pesquisas que mostram que cada vez menos pessoas possuem alguma habilidade culinária, os jovens estão cada vez mais inseguros na cozinha e há até uma certa glamourização pela publicidade da inabilidade culinária...
Além do mais, destacaram que a alimentação solitária dos fast food ou dos alimentos prontos e instantâneos rompem com um padrão de comensalidade que está na base de uma alimentação saudável que é o compartilhamento do preparo e do consumo da comida, o hábito de comer junto é fator de bem estar. Do mesmo jeito que alto consumo de alimentos processados cria um padrão de palatabilidade que estranha o paladar da alimentação natural, um dado que surgiu nas pesquisas apresentadas no primeiro painel do seminário foi o de que cada vez mais cedo se inicia a ingestão de alimentos ultraprocessados, hiper saborosos e macios... o índice é altíssimo com crianças com menos de dois anos de idade e ainda, o índice alarmante com crianças com menos de  16 semanas!  Quando citaram isso  lembrei dos danoninhos, geleias de mocotó imbasa, sustagem, mucilon, farinha láctea etc...  e aí constatamos que a cultura dos ultraprocessados  está aí entre nós há muitos anos.
Em suma, os dois enfatizaram que uma alimentação saudável precisa levar em conta o acesso aos alimentos frescos, livres de aditivos ou inseticidas; o incentivo à produção dos mesmos em escala familiar, bem como a valorização dos modos tradicionais de comer e preparar a comida.
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